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São Paulo
5 de fevereiro de 2025

Dependência Móvel

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Ao retornarmos pouco mais de uma hora depois, a primeira coisa que todos os executivos fizeram, foi checar seus celulares, com a ansiedade de quem verifica o resultado de um exame importante. A cena foi tão marcante que nós mesmos satirizamos, alguns dizendo que estavam começando a ter tremedeiras, numa alusão às síndromes de abstinência de usuários de drogas. O fato real acima retrata o que tenho chamado de dependência móvel entre executivos e em outra intensidade em adolescentes, mães, pais, namorados e afins. <br />
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Já li por diversas vezes comentários do tipo, vivi tanto tempo sem celular que não vou me tornar um escravo do mesmo. Na minha opinião, é exatamente ao contrário, nós é quem exigimos cada vez mais do celular, se é que ainda se pode chamar aquele aparelhinho cada vez menor e cada vez mais avançado que carregamos, apenas de telefone. <br />
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Primeiro passamos a escolher o aparelho por fatores cada vez mais distantes do que permitiria um telefone. Graças a excelentes marqueteiros, o celular se tornou um objeto de status, em alguns países mantém-se o celular a mostra como forma de demonstrar quem você é, desde o nível social, até entre os jovens, a que tribo você pertence. Já é comum encontrar pessoas que tenham um celular para o trabalho, e um para o fim de semana, menor, mais fashion e com menos recursos operacionais e mais de entretenimento. Observo usuários tratando esse objeto de maneira no mínimo peculiar, chamando-o por apelidos, comprando roupinhas, mudando a capa de acordo com o dia, o humor ou a roupa que está usando.<br />
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No dia-a-dia, decidimos que nossa agenda será móvel e com isso eliminamos as agendas de bolso de papel. Concordamos que aonde estivermos seremos localizados, para que em nome da privacidade (?), não precisemos dizer aonde vamos ou estamos, resolvemos que não mais abriremos nossos enormes (?) laptops em aeroportos, cafés e afins, mas nos conectaremos através do celular, num ímpeto de independência usamos o identificador de chamadas para decidir se atendemos ou não à quem nos chama, alguns sem nem mesmo olhar, através de ringtones, as vezes bastante desconcertantes, que identificam sonoramente quem nos chama. Abandonamos também a necessidade de comprar um guia de ruas, e até um de bares e restaurantes e exigimos que o aparelhinho nos mostre como chegar a qualquer lugar em qualquer hora, e que o faça com uma voz sensual, em diversas línguas de acordo com o nosso desejo. <br />
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Já nossos filhos, pobres dos nossos filhos, ai deles se não atenderem ao celular, já que com isso nos sentimos no controle da situação, mas, se eles resolverem ter o mesmo ímpeto de independência, podemos acionar o localizador e conseguimos encontrá-los com uma boa precisão aonde quer que estejam. E depois reclamamos que eles ficam muito tempo ‘conectados’! <br />
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Mas não para aí nossa ganância por mais poder e comodidade. Já podemos eliminar os livros de palavras cruzadas e jogar este ou qualquer outro entretenimento no celular, assistir a filmes –  alguns até bastante picantes -, vindos das melhores produtoras de vídeos do mundo. Em Paris já não há a necessidade de se comprar um ticket de metrô,  simplesmente aproxima-se o telefone da catraca, já podemos comprar sem dinheiro vivo, cartão ou cheque, tirar uma foto, mandar imprimir, sem nem chegar perto da impressora. E isso não está somente no mundo executivo, conheço amigos, que por idade avançada ou precaução, não largam um acessório que ao toque de um botão, avisa ao médico, hospital e familiar, exatamente aonde ele está. <br />
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Quem está no controle? Já refletiram quantas coisas estaríamos carregando para ter algo próximo do que temos hoje? Imaginem o peso, o volume e o mico que se pagaria para ter serviços similares há algum tempo atrás. Mas será que estamos exagerando, acho que não, a segurança e comodidade propiciados pelo celular são imbatíveis, e com alguns bilhões de celulares no mundo, 135 milhões só no Brasil, é admissível que alguém questione esse benefício? Acho que mais uma vez estamos diante de uma ferramenta que tem que ser bem utilizada, assim como a TV ou  um carro. Tem serviço até pra te livrar de uma mala sem alça, você programa e a operadora te liga em determinado horário, depois daqueles 3 minutinhos de apresentações, e você que conforme a ética avisou que estava esperando uma ligação, elegantemente deixa o seu amigo ‘mala’, com outros menos tecnologicamente preparados. <br />
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E aí, falando em ética, é óbvio que existem as mazelas da tecnologia. Outro dia estava eu num almoço numa das melhores churrascarias de São Paulo com um grande amigo meu, expert em telecomunicações móveis, que hoje está no México, e fomos interrompidos por gritos estridentes de um celular na mesa ao lado, e o mais cômico (?) é que, apesar de praticamente todas as mesas ao redor terem subitamente parado de falar, o interlocutor continuou fazendo uma conferência a três em viva voz com os demais de sua mesa e o interlocutor no celular. <br />
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Telefone celular: uma excelente ferramenta. Mas a etiqueta independe de tecnologia e, como dizem, dinheiro não compra classe. Tecnologia também não!<br />
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(*) Managing Director da Bsmart Latin America – empresa que assessora multinacionais de tecnologia a se instalarem e realizarem negócios no Brasil e América Latina e Caribe.
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