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25 de setembro de 2025

Da informação à ação: como construir organizações agentivas com dados e IA

Tony Tascino (*)

Houve um tempo no qual os dados eram utilizados principalmente para gerar relatórios e apoiar decisões operacionais, muitas vezes concentrados em sistemas sob responsabilidade do setor de TI. Embora já fossem reconhecidos como valiosos, seu uso era mais restrito, com acesso limitado e pouco dinamismo.

Esse tempo acabou. Na era da Inteligência Artificial (IA), os dados se tornaram o centro da inovação e da competitividade. Eles não são apenas insumos para análise, mas ativos dinâmicos que permitem decisões rápidas, modelos preditivos, automações inteligentes e novas experiências para clientes e colaboradores.

Se antes os dados eram um apoio, hoje são a principal alavanca para construir empresas adaptativas, inteligentes e resilientes. A IA é, ao mesmo tempo, o meio para extrair valor dos dados e o fim que orienta sua organização.

Essa mudança de perspectiva não aconteceu de um dia para o outro. Ela reflete uma evolução profunda no papel dos dados nas organizações ao longo das últimas duas décadas. Em 2015, por exemplo, um grande varejista europeu utilizava dados de vendas apenas para análises históricas, com relatórios mensais apresentados à diretoria. Hoje, graças à integração de sistemas IoT, IA preditiva e arquiteturas em nuvem, consegue prever a demanda em tempo real, ajustar preços dinamicamente e reduzir custos de estoque em mais de 20%.

Casos como esse demonstram o quanto os dados podem impulsionar inovação e vantagem competitiva. Mas também revelam um contraste: poucas empresas conseguem chegar a esse nível de maturidade. A maioria ainda enfrenta obstáculos que impedem seus dados de se tornarem a base para modelos de IA e decisões inteligentes. Apesar do enorme potencial, muitas organizações ainda lutam para transformar dados em valor competitivo. A principal dificuldade está em evoluir de ambientes fragmentados e analíticos tradicionais para uma base integrada, confiável e ágil, capaz de alimentar modelos de IA em escala.

Entre os principais obstáculos podemos citar:

– Fragmentação de dados – sistemas legados, SaaS, múltiplas nuvens e dados não estruturados geram silos, impedindo uma visão unificada do negócio;
– Qualidade e consistência – modelos de IA treinados com dados incompletos ou incorretos geram resultados distorcidos e decisões arriscadas;
– Compliance e segurança – leis como AI Act, GDPR e LGPD exigem governança, rastreabilidade e controles robustos sobre os dados;
– Time-to-insight – decisões precisam acontecer quase em tempo real, mas processos manuais e pipelines lentos atrasam as análises;
– Competências e cultura – falta integração entre tecnologia e negócio, com escassez de profissionais híbridos que combinem visão analítica e estratégica.

Vencer esses desafios não depende apenas de novas ferramentas, exige mudar a forma como os dados são organizados, acessados e governados — e é aqui que entram as arquiteturas modernas de dados e IA. Para superar a fragmentação, garantir qualidade e permitir análises/ações em tempo real, organizações líderes estão adotando uma arquitetura “agentic-ready” — preparada para agentes de IA que observam, decidem e agem. Ela combina data mesh/lakehouse com camadas de vetores, orquestração de agentes e guardrails.

Componentes estruturantes

1) Plano de Dados (Data Plane) – Fornece dados confiáveis, integrados e acessíveis para toda a organização, via CDC, Event Mesh, APIs de dados, Lakehouse (bronze/silver/gold), Data Catalog/Contracts (Data Mesh), Feature Store (online/offline), Banco vetorial, índice semântico (RAG).

2) Plano de Modelos (Model Plane) – Transforma dados em inteligência reutilizável e governada, via Model Gateway, APIs de modelos (Model Serving), MCP (Model Context Protocol), pipelines de MLOps (treino, deploy, monitoramento de drift, A/B), ferramentas de avaliação, datasets de validação.

3) Plano de Agentes (Agent Plane) – Converte inteligência em ação orquestrada e automatizada, via Orquestrador de agentes, planner e memória, tool registry (APIs de CRM/ERP, RPA, SQL, copilotos etc.), skills dinâmicas com feedback loop, sandboxes de execução, rollback de ações.

4) Plano de Governança & Segurança (Control Plane) – Garante uso seguro, auditável e responsável de dados, modelos e agentes, via API Gateway, Policy-as-Code, AI Firewall / Guardrails, Observabilidade unificada (lineage, métricas, custos), Responsible AI (explicabilidade, vieses, model cards/datasheets)

Padrões de integração

  • Event-driven first: eventos de negócio como “verdade” que acionam pipelines/agents (pedido_criado, fraude_suspeita);
  • RAG governado: recuperação de informação com filtros de acesso, citações e verificação de fontes;
  • Otimização do Closed-loop: agentes atuam, medimos KPIs, ajustamos política/modelo (Aprendizado por reforço a partir das operações);
  • Digital twins e simulação: testar políticas de preços/estoques em simulações antes de aplicar no mundo real.

Exemplo de fluxo (reprecificação dinâmica no varejo)

  1. Evento “queda de estoque crítica” chega via Event Mesh;
  2. Agente de pricing consulta Feature Store, Lakehouse e índice vetorial (documentação de promoções);
  3. Planner de agente propõe novo preço e simula impacto (twin/sandbox);
  4. Guardrails checam compliance (margem mínima, regras LGPD para personalização);
  5. Orquestrador pública a mudança via API para o e‑commerce e dispara experimento A/B;
  6. Métricas alimentam o loop de melhoria no MLOps/agent ops;

Essa arquitetura mantém a compatibilidade com data mesh e lakehouse, mas adiciona as camadas necessárias para a próxima onda: agentes de IA operando com segurança e governança, do insight à ação.

Roadmap para uma jornada de IA de sucesso (com trilha agentic)

A construção de uma organização orientada por dados e IA exige planejamento em fases, agora com uma trilha explícita para agentes.

Fase 1 – Fundação e governança: mapear domínios, data products e políticas; catálogo; primeiros pipelines e qualidade.
Fase 2 – Modernização e tempo real: lakehouse, event mesh, feature store; integrar APIs críticas; monitorar SLAs de dados.
Fase 3 – Modelos e copilotos: casos preditivos nos processos core; copilotos de produtividade; gateways de modelos e MLOps.
Fase 4 – Agentes com guardrails: orquestrador, registry de ferramentas, API guardrails, AI firewall, sandboxes e métricas de decisão.
Fase 5 – Otimização fechada: testes em digital twins, RL (Reinforcement Learning) com os dados reais das operações, automações end‑to‑end com metas e limites de custo.

Resultados intermediários em cada fase reduzem risco e constroem confiança, preparando a organização para a autonomia assistida por IA.

Exemplos famosos de uso de dados e IA

Alguns exemplos emblemáticos mostram como a integração de dados e uma boa governança podem transformar setores inteiros:

Netflix – usa dados de visualização de milhões de usuários para treinar modelos de recomendação extremamente precisos;

Amazon – integra dados de compras, clima e comportamento do consumidor para otimizar logística com IA preditiva;

Tesla – carros autônomos processam dados em tempo real e enviam à nuvem para melhorar continuamente os modelos;
Google – combina grandes volumes de dados e IA generativa para avanços em tradução, NLP e saúde.

Casos recentes de “agentic IA”:

Klarna – agentes de atendimento resolveram a maior parte dos chamados sem intervenção humana, com redução de custos e maior NPS;

Shopify – testes de agentes para atualizar catálogos, preços e conteúdos automaticamente conforme a demanda;

Operações industriais – agentes que reprogramam ordens de produção diante de atraso de fornecedores e oscilação de energia (edge + eventos).

Avanços emergentes em IA e dados (com foco agentic)

– IA generativa aplicada a negócios: criação automática de conteúdo, código e análises guiadas por contexto;

– Agentes de IA conectados a APIs (Agentic IA): orquestram tarefas ponta a ponta com memória, planejamento e ferramentas;

– IA confiável (Responsible AI): transparência, auditabilidade e mitigação de vieses nos modelos e nos agentes;

– Edge AI: decisões locais em fábricas, veículos e dispositivos; sincronização com o lakehouse;
– IA + Automação: convergência com RPA/iPaaS para fechar o ciclo de decisão‑ação.

O próximo salto não é só analisar melhor, mas agir com autonomia controlada: agentes que observam, decidem e executam dentro de políticas explícitas.

Benefícios concretos

Empresas que dominam a integração entre dados e IA alcançam ganhos expressivos:

Velocidade – decisões quase instantâneas
Personalização – experiências hiperpersonalizadas
Eficiência – automação, menos erros e menores custos
Inovação – lançamento rápido de novos produtos
Resiliência – adaptação a mercados e regulações em constante evolução

Na abordagem agentic, somam‑se: maior cobertura operacional (24/7), menor latência decisão‑ação e aprendizado contínuo do sistema. O verdadeiro desafio hoje não é apenas “fazer IA”, mas ativar o potencial dos dados com arquiteturas modernas, governança sólida e um mindset iterativo. A IA é, ao mesmo tempo, o meio para valorizar os dados e o fim a ser perseguido: empresas que pensam, reagem e inovam na velocidade dos dados.

Empresas que unem IA e dados em uma estratégia única tornam-se organizações adaptativas, capazes de inovar e competir em qualquer cenário. O próximo passo é dar autonomia a esses sistemas: permitir que agentes de IA usem os dados para observar, decidir e agir continuamente, como verdadeiros “cérebros digitais” da empresa — sempre com guardrails e accountability.

(*) CTO da Engineering Brasil.