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24 de agosto de 2025

A IA vai reduzir nossa capacidade cognitiva ou expandir a mente humana?

Katiuscia Teixeira (*)

Ao longo da história, cada avanço tecnológico foi acompanhado de receios sobre o impacto em nós, seres humanos. Afinal, temos um instinto natural de reservação da nossa espécie, e tudo o que a coloca em xeque, nos acende um alerta. Quando a escrita surgiu, houve quem temesse a perda da memória oral. A revolução industrial trouxe preocupações sobre a substituição do trabalho manual. A chegada da computação despertou argumentos sobre a dependência das máquinas. Agora, com a ascensão da inteligência artificial, um novo debate se inicia, trazendo à tona a preocupação sobre o impacto da IA nas nossas capacidades cognitivas. Estudos já advertem que o uso de inteligência artificial pode atrofiar nossa mente, em uma equação que leva em conta o aumento da confiança em ferramentas de IA e a redução do pensamento crítico, nos tornando menos preparados para resolver problemas complexos. Mas será mesmo esse o prenúncio do futuro próximo?

Com o conhecimento de quem usa inteligência artificial no dia a dia, além de construir uma IA especializada em “conversas difíceis” e até mesmo liderar um projeto para colocar à disposição dos colaboradores uma “agente” que provê respostas rápidas e no tempo que cada um precisa, posso dizer que a questão central não está na inteligência artificial, mas sim na forma como cada um de nós a utiliza.

Se voltarmos um pouco no tempo, vamos ver com clareza que a tecnologia sempre moldou e remodelou o mercado de trabalho e as competências exigidas dos profissionais. Também por isso, as soft skills (ou habilidades comportamentais e sociais) se tornaram cada vez mais relevantes, uma vez que é preciso resiliência e adaptabilidade para se inserir e permanecer em um mundo em constante movimento, o que impacta também as relações no trabalho.

Por isso, acredito que a inteligência artificial (assim como outras inovações que já surgiram) abre espaço para o desenvolvimento de novas capacidades e para a construção de profissionais cada vez mais completos.

Se usada de forma estratégica, crítica e consciente, a IA pode ser uma grande aliada na ampliação tanto das habilidades técnicas (hard skills) quanto das soft skills. O importante é termos consciência sobre o conjunto de competências que nos será exigido no futuro. Nesse sentido, ao invés de sermos demandados para buscar informações, nosso papel será verificá-las; a capacidade de resolver problemas estará cada vez mais vinculada à integração de respostas, visão sistêmica e conexão de assuntos diversos. O valor não estará mais na execução da tarefa em si, mas sim no que ela gera, na delegação eficaz e na supervisão da tecnologia.

Porém, para sermos hábeis nesse novo papel, é fundamental que tenhamos conhecimento, confiança e que sejamos capazes de criticar o trabalho desempenhado pela tecnologia. Um estudo recente conduzido neste sentido demonstrou que quanto menor era a autoconfiança e conhecimento do profissional que interagia com a IA, maior seria a sua dependência e menor seria seu envolvimento crítico e a capacidade de resolução de problemas. Portanto, esse é o ponto a que precisamos estar atentos, além de desenvolvê-lo na força de trabalho e nas gerações futuras.

Precisamos evoluir a nossa capacidade de colaboração humano-IA. Dessa maneira, ela pode potencializar nossas fortalezas e habilidades, nos guiando no caminho que estamos construindo (ele não vem pronto por IA). O pensamento crítico precisa estar ativo desde o primeiro contato até o produto final, para que as nossas capacidades cognitivas sejam melhoradas e não corram o risco de serem “atrofiadas”.

Por isso, defendo que essa educação deve começar desde cedo. É preciso ensinar crianças e adolescentes a usar a inteligência artificial de forma crítica e ética para evitar que se tornem apenas consumidores passivos. Da mesma forma, no ambiente corporativo, líderes e liderados precisam ser capacitados a enxergar a IA como um recurso para expandir suas capacidades, e não como uma ferramenta que faz o trabalho por eles. Nesse sentido, concursos, hackathons, mentorias, cursos são ótimos recursos, desde que alinhados ao público que irá consumi-los. Quanto mais personalizado, maiores são as chances de assimilação.

A IA, assim como qualquer avanço tecnológico, não é um destino final, mas um meio para chegarmos mais longe. Cabe a nós decidirmos se a usaremos como um escudo ou como um trampolim. A questão é saber fazer as perguntas certas, questionar o produto e assumir o protagonismo, pois o futuro não será sobre humanos ou máquinas, mas sobre humanos que sabem como potencializar suas habilidades com o apoio da tecnologia.

(*) Diretora de pessoas (CHRO) na Zenvia.