Laura Brito (*)
Aproveitando que no dia 13 de julho o Estatuto da Criança e do Adolescente faz 34 anos, é sempre bom lembrar que as nossas crianças devem ser a prioridade todos os dias – prioridade da família, da sociedade e do Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi pensado em um momento de florescimento da democracia brasileira e de exigência de que o Estado social reconhecesse a sua vulnerabilidade e a necessidade de um projeto em que as crianças fossem colocadas, de fato, no centro das políticas e das atenções. Os princípios fundamentais do ECA continuam mais atuais do que nunca: nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Pois bem. E como podemos realizar o Estatuto da Criança e do Adolescente em 2024, com os desafios trazidos pela tecnologia? Eu tenho algumas sugestões e vou partilhar com vocês, conclamando-os a fazer um esforço real para protegermos as nossas crianças.
O primeiro problema a ser enfrentado é o abandono digital. Como você se sentiria se visse uma criança de cinco anos sozinha na rua? Pois então não podemos nos assustar menos com uma criança da mesma idade que tenha acesso irrestrito a conteúdos na internet por meio de tablets e smartphones. O abandono digital é deixar de educar ou de prestar assistência no ambiente virtual, colocando em risco a segurança dos filhos. As crianças não estão prontas para lidar com a quantidade e a qualidade das informações que podem ser acessadas e o abandono digital facilita, e muito, o trabalho dos assediadores de crianças no meio virtual.
Não pense que estou aqui para pregar que crianças não usem tela – deixarei isso para os profissionais da saúde que tentam herculeamente nos mostrar os prejuízos na mente infantil. Sabemos que a vida nas grandes cidades, a falta de políticas públicas de cuidado e o desgaste dos longos deslocamentos, com frequência, vão fazer com que as telas sejam um suporte para mães e pais exaustos. O que não é razoável é que crianças acessem a internet sem qualquer supervisão, controle ou limite. Se possível, assista aos programas com as crianças, converse sobre o que acontece no vídeo, diga o que é legal e o que não é.
O segundo desafio é o shareting. Quem não ama curtir a foto da filha da amiga nas redes sociais? Contudo, não podemos esquecer que o que vai para internet sai completamente do nosso controle. Quando permitimos que a vida das crianças se transforme em um reality show, agimos como se, justamente por serem crianças, não tivessem direito à intimidade ou privacidade.
Com a ampliação do acesso à inteligência artificial, não temos controle do que será feito com a imagem delas. Isso sem falar nos riscos de partilhar a rotina delas de forma pública. Por isso, existem regras de ouro para postagens de crianças nas redes: evite fotos que mostrem onde estudam e locais que frequentam; nada de fotos em que as partes privadas do corpo da criança estejam à mostra; pergunte-se se aquela imagem ou informação poderá gerar constrangimento na criança – agora ou quando ela crescer; e, claro, se ela tiver idade, converse com a criança sobre como ela se sente com aquela exposição. Na dúvida, não poste.
A terceira dificuldade é o uso de redes sociais por crianças e adolescentes. O livro A geração ansiosa, de Jonathan Haidt, está prestes a ser lançado no Brasil e já é muito aguardado. A análise é de que os adolescentes não possuem maturidade cerebral para lidar com o funcionamento das redes entre likes, filtros e padrões irreais. Nele, o autor tem quatro sugestões para uma infância menos ansiosa: sem smartphones antes do ensino médio; sem redes sociais antes dos 16 anos, escolas sem smartphones e uma infância com mais brincadeiras sem supervisão. Nesse sentido, vale a pena conhecer o Movimento Desconecta, que propõe ações coletivas para o adiamento, redução e controle do acesso a smartphones e redes sociais por crianças e adolescentes.
A proteção das crianças merece um esforço coletivo. Mas preste bem a atenção. As famílias não precisam de julgamento. Na maior parte das vezes, necessitam de ajuda e informação. Não estou sugerindo aqui que você aponte o dedo para uma mãe solo exausta que entregou o celular para o filho. Estou pedindo que você lave a louça para que ela se sente para brincar com a criança. Se uma família decidiu não estimular o uso de gadgets, não incentive que a criança use, muito menos que minta para os pais sobre isso. Pelo bem das nossas crianças, a rede que precisamos hoje é a rede de apoio.
(*) Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões.